quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Um episódio da revolução de 1910

Transcrevemos do "Novo Mundo",
semanário ilustrado de 8 de Janeiro de 1911, o seguinte episódio:

"Interessante é, também a história do soldado de cavalaria, a quem, na noite da revolta, o tenente do esquadrão confiara uma vedeta de observação.
-Tu ficas aqui, percebes? - e tens por obrigação expiar os movimentos do inimigo. Ao primeiro movimento, corres o mais depressa possível, até ao quartel general, a informar-me da direcção das tropas revolucionárias.
- Vá o meu tenente descansado.
Se o oficial se retirou descansado, o soldado é que ficou inquieto, porque a fusilaria continuava, as granadas rebentavam com estrondo, enviadas do alto da Avenida, e já algumas balas lhe tinham zunido aos ouvidos, com uma insistência que nada tinha de prometodora. O soldado aguentou-se a cavalo enquanto pode; mas a certa altura, o sacrifício pareceu-lhe verdadeiramente heroico. Então desmontou e abrogou-se atrás do cavalo, murmurando, sem ter consciência do que dizia, o velho prolóquio:
- Morrer por morrer, morra o meu pai que é mais velho!    (...)

Mas como o pai ... perdão, o cavalo não lhe parecesse ainda um abrigo suficiente, o bravo militar abandonou-o e correu a ocultar-se numa esquina. Procedeu com acerto, pois que, mal ele desaparecera na esquina, uma bala acertou no cavalo e prostou-o sem vida.
Quando o fogo cessou, o soldado voltou à procura do cavalo e encontou-o em estado de defunto, o que deveras o atrapalhou, pois era responsável pelo animal, e, de certo, os superiores o castigariam pela deserção do posto.
Pensava ele tristemente nas voltas que havia de dar à sua vida, lobrigando já o conselho de guerra e talvez o presídio, quando o oficial de esquadrão lhe apareceu em frente, acompanhado duma ordenança.
- Que é isto! O cavalo morto? ... Abandonaste o teu posto?
- Não abandonei, meu tenente!
- Então como é que ele morreu?
E o soldado atrapalhado procurando dar uma explicação murmurou atabalhoadamente:
- Foi assim, meu tenente. Eu estava aqui, e tinha-me apeado para apanhar a cartucheira. De repente, quando ia a montar outra vez, o animal estremece, curva os jarretes, e começa a dizer:
«Ai Jesus! Ai Jesus!» e cai para o lado morto!
E triunfamente, suspirando aliviado por ter achado uma explicação tão plausível, concluiu:
- Saiba meu tenente que isso, quanto a mim, ou foi dor que lhe deu, ou pinga de sangue que lhe caiu na respiração!"

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