Definição de Mutualismo
Sistema
privado de protecção social que visa o auxílio mútuo em situações de carência
ou de melhoramento das condições de vida dos associados, como forma voluntária
de realização do ideal da solidariedade. Estes objectivos genéricos de
protecção social solidária são promovidos por instituições mutualistas,
geralmente de tipo associativo e de inscrição facultativa, ditas Mutualidades
ou Associações de Socorros Mútuos,
que se especializam consoante as modalidades de protecção a realizar. Este
sistema é fundamentalmente caracterizado pela ausência de
espirito lucrativo. Uma forma de estar na vida cuja acção dá resposta às necessidades de diversas pessoas e famílias ao longo dos anos e de diversas gerações.
1 – Antecedentes
Remontam
à mais longínqua antiguidade as raízes históricas do Mutualismo. Podemos mesmo
afirmar que a necessidade humana da entreajuda nasceu com os primórdios do sedentarismo,
desenvolvendo embriões de verdadeiras práticas mutualistas, especialmente na
defesa dos seus burgos contra os ataques de outras tribos ou de outros animais fisicamente
mais poderosos. No entanto, somente existe conhecimento
de formas de organização com carácter mutualista na Grécia Antiga e no
Império Romano, não obstante se narrarem situações anteriores, certamente
envolvidas num manto lendário, como exemplos de mutualismo. Assim, referem
certos autores que os operários que tomaram parte na construção do Templo de
Salomão de Jerusalém, 950 anos antes de Cristo, e que tinham a designação de “Kassideanos”,
se associaram e agruparam para se protegerem dos riscos que os ameaçavam no
decorrer da dantesca obra. De igual modo, têm sido citadas experiências idênticas
na construção das Pirâmides do Egipto.
Depois
da antiguidade, isto é, a partir da Idade Média, começam a demarcar-se e a
definir-se mais pronunciadamente os princípios da Mutualidade (entre ajuda,
solidariedade, oposição aos poderes estabelecidos), concretizados, na prática,
através de três formas principais:
▪ As “Ghildas”, modalidade de associativismo com origem nos países
escandinavos, e introduzida pelos Francos cerca do século VIII, praticando a solidariedade
perante a insegurança pecuniária e tendo por objectivo a entre ajuda entre os
seus membros, constituídos principalmente por mercadores e camponeses. Teve
particular influência no norte de França.
▪ As “Confrarias”,
que resultam dos esforços do Cristianismo para assimilarem as correntes associativas
da Antiguidade e as dos povos pagãos. Incitavam o homem da Idade Média a
praticar actos de previdência para salvação da sua alma. Através de
associações, criadas sob égide do Clero, tinham o cuidado de manter ritos
e cerimónias religiosas, e, suplementarmente, impunham como deveres de caridade,
auxiliar os doentes, viúvas, órfãos e idosos. Constituíram agrupamentos característicos da Idade Média e sobreviveram
durante muito tempo, mantendo sempre de forma dominante o carácter
religioso. Havia três tipos: as confrarias das profissões, em que se
encontravam reunidos mestres e aprendizes; confrarias gerais de caridade, tendo
uma base social diversificada, mas profundamente dominada pelo poder religioso,
pelo que a sua acção no campo da solidariedade e entre ajuda foi relegada para
plano secundário; confrarias com finalidades diversas e que, a titulo acessório,
praticavam a entreajuda.
▪ Associações de companheiros (“Compagnonnage”): forma de associativismo
iniciada coma construção de catedrais no século XII, em que o convívio
prolongado de artesãos, empregados e companheiros de vários misteres conduziu à
necessidade de se agruparem numa base social próxima da organização mutualista
de solidariedade, estabelecendo como dever a
entreajuda em caso de doença, velhice e morte. Ainda em plena Idade
Média, surgem nos Países Baixos os primeiros Montepios, confirmados pela
autoridade papal, tendo como principal iniciador o Arquiduque Alberto que
sentiu a imperiosa necessidade de modificar o ambiente indecoroso que ali se
vivia com usurários explorando os necessitados a taxas elevadíssimas. O
Arquiduque lançou a ideia da Criação dos Montepios cuja prática teve nos
Franciscanos seus principais propagadores, que fundaram em Perugia, por
iniciativa do frade Miguel de Milão e coadjuvado por Barnabé de Ferni, o mais
antigo Montepio.
A
partir do século XVIII, em resultado das lutas iniciadas pelas associações de companheiros
e certas confrarias de ofícios, nas quais surgiram de forma embrionária, as principais
manifestações de acção socialista, assiste-se especialmente em França
ao inicio de um profundo interesse dos filósofos e pensadores pelas
concepções mutualistas. Este movimento deu origem ao nascimento de sociedades
de previdência ostentando os princípios da liberdade e da democracia. Data
desta época (1780) a criação em França da “Sociedade Filantrópica” que foi
extinta e, mais tarde, em 1802, restaurada, começando, então, nesse país, o
desenvolvimento do associativismo mutualista a tomar forma, mais incentivado
ainda com a Revolução de 1848, até que em 15 de Junho de 1850 as sociedades de
socorros mútuos são consagradas pelo primeiro texto legal. O movimento
mutualista em França provoca o aparecimento de inúmeras teorias filantrópicas e
doutrinárias, incitando pensadores como August Comte, Charles Fourier e, sobretudo,
Joseph Proudhom, a apoiarem-se no mutualismo. Proudhom chegou mesmo a enunciar
os princípios de uma filosofia humanista assente na reciprocidade de acção para
se opor ao individualismo e à autoridade. Deve, ainda, referenciar-se, que
alguns dos sistemas adoptados tiveram como modelo as sociedades já existentes
na Grã-Bretanha a partir da segunda metade do século XVIII, com base em sentimentos
de amizade e de fraternidade pelo que eram comumente conhecidas por “Friendly
Societies”.
2 – Evolução Histórica do Mutualismo em
Portugal
Pode
afirmar-se que a evolução do Mutualismo em Portugal acompanha a de outros
países, embora as associações de carácter mutualista que se iam criando,
possuíssem, como é natural, um cunho muito demarcado resultante de uma
realidade muito específica. De qualquer modo, logo nos primórdios da
independência de Portugal há notícia da existência de confrarias clericais ou
laicas e já em 1297 foi fundada em Beja um confraria laica, por autorização de
carta real, que se diz ter sido a primeira mutualidade existente no nosso
País, pois tinha como objectivos praticar a beneficência, socorro mútuo e
piedade.
Ao longo dos anos foram sendo criadas
instituições de beneficência de inspiração régia ou religiosa enquanto classes
laboriosas procuravam criar outras instituições para ir ao encontro das
necessidades de assistência dos artesãos. Ainda na Idade Média, e como consequência
de grande odisseia marítima, foram criadas associações mutualistas a que se dava
a designação de “compromissos”, de grande tradição no nosso país, destinadas a levar socorros às
famílias das vítimas de naufrágios; pelas mesmas razões, foi criada a “Bolsa de
Comércio Marítimo de Lisboa e Porto”, fundada por D. Dinis ou D. Fernando,
que igualmente cria a Companhia das Naus. Com características de socorro mútuo,
e na área agrícola, surgiram em Évora e Beja, cerca de 1570, os denominados
“celeiros comuns”, instituições de crédito agrícola que, mediante um fundo
comum constituído por colectas lançadas sobre os lavradores, faziam face às dificuldades
dos agricultores vítimas de crises financeiras. Curiosamente, só dois séculos depois
foi criada na Alemanha a primeira Caixa de Crédito Agrícola Rural, com
objectivos semelhantes.
Também acompanhando o que se passava no
estrangeiro, fizeram o seu aparecimento as “corporações”, estruturadas de modo
semelhante às suas congéneres. De inspiração religiosa, tinham como objectivo, além da
moralização de costumes, a assistência hospitalar, auxilio aos velhos, viúvas e
encarregar-se dos funerais. Igualmente estavam preparadas para defender os
interesses dos seus associados a nível laboral reivindicando melhores salários.
Como exemplo de instituição deste tipo, cita-se o “Compromisso dos Pintores da Confraria
de S. Lucas de Lucas”, fundado em 1609. Faz-se aqui um parêntese para assinalar
um aspecto em que os portuguesas foram percursores. A fundação das
Misericórdias, pela Rainha D. Leonor, na tentativa de abordar o problema da segurança
social sem recurso do Estado. As confrarias e irmandades perduraram ao longo
dos séculos, envolvidas, na sua acção, por sentimentos de profunda fé religiosa
e por princípios da caridade cristã, que sofreram grande contestação e foram
postos em causa com o advento do chamado “Século das Luzes”, em que sobressaem as teorias de um liberalismo exacerbado e
começam a estar em voga termos de filantropia e fraternidade dando
origem ao aparecimento de sociedades de previdência inspiradas nos princípios
da liberdade individual e da democracia. As sociedades filantrópicas, essencialmente
designadas por Montepios, eram inicialmente constituídas por trabalhadores que
procuravam na força do associativismo suprir as carências ou inexistência de
previdência oficial. Já no final do século XVIII começam a surgir as
primeiras Associações de Socorros Mútuos que passaram a ter um vasto campo de
actuação na área da assistência médica e medicamentosa e na previdência
pecuniária ou de benefícios diferidos, atribuindo pensões de sobrevivência,
reforma, invalidez e, muito especialmente, subsídios de funeral e luto.
Muitas destas associações soçobraram ao longo dos
tempos, umas porque as suas débeis estruturas não suportaram as várias
vicissitudes que tiveram que enfrentar, outras, porque os seus objectivos foram
ultrapassados pela criação da Segurança Social. Contudo, muitas outras conseguiram
vencer problemas de toda a ordem e perdurar até hoje, mais do que associações centenárias,
dando um extraordinário contributo à acção da previdência oficial na sua função de
complementaridade.
Na 1ª metade do Século XIX, talvez como resposta
a alguma inquietação popular, é publicado (1836) um diploma que a reconhecer as
vantagens públicas e particulares que resultam dos estabelecimentos conhecidos
pelas denominações de “Montes de Piedade” e “Caixas Económicas”. Durante o
Século XIX, especialmente a partir da sua segunda metade, deu-se o aparecimento
de inúmeras associações deste tipo e que proliferaram
rapidamente. Outro aspecto a revelar é o projecto de Pinheiro Ferreira, que
viveu muitos anos em Paris, procurando assegurar um espaço autónomo para a
força do trabalho sem recurso ao centralismo governativo ou à acção
monopolizadora dos sindicatos laborais. Em 1807, criou-se em Lisboa, “O
Montepio do Senhor Jesus do Bonfim”, que é considerado pela sua estrutura a
primeira Associação Mutualista Portuguesa, com aspectos híbridos de confraria,
visto que era obrigatório o culto religioso. No entanto, a maioria dos
Montepios eram associações de classe, à semelhança das associações corporativas
de artes e ofícios, que foram suprimidas por Decreto de 7 de Maio de 1834 e que
procuravam abranger apenas os membros da mesma profissão.
As
Associações de Socorros Mútuos passaram a ter um vasto campo de actuação na assistência
médica e medicamentosa e na atribuição de pensões de sobrevivência e subsídios
de funeral. É nessa época (1840) que Álvaro Botelho, antigo professor do
Colégio dos Nobres, num congregar de esforços e vontades promove a fundação
Montepio Geral, instituição que viria a prestar auxilio a tantas famílias em
risco de soçobrar quando desaparecia o “homem da casa”. E os fundadores da
associação bem sabiam das dificuldades em subsistir se não conseguissem
autorização para fundar uma Caixa Económica. E foi necessário aguardar quatro
anos para obter autorização Régia de instalação da primeira Caixa Económica em
Portugal (24/03/1844), instrumento inovador que granjeou um capital de
confiança e simpatia junto das populações criando hábitos de poupança.
3 – Associações Mutualistas
Associações Mutualistas são Associações sem fins lucrativos que desenvolvem
acções complementares de segurança social, saúde, acção social e promoção da
qualidade de vida, preferencialmente para os seus associados e famílias. As
Associações Mutualistas garantem assim benefícios diversificados nas áreas
supra referidas e têm procurado constituir uma alternativa de carácter
social.
4 - Mutualismo, uma solução de futuro:
Solidariedade, Protecção, Cidadania
O
desafio de modernidade e crescimento com que Portugal se confronta torna
imperativa a mobilização conjugada e empenhada de todas as organizações que
inscrevem na sua matriz os valores do progresso e da justiça social. O
movimento mutualista, não apenas pela longa e profunda tradição de participação
cívica e solidária que o sustenta, como pela solução de futuro que representa,
é actor central nestes processos. O papel que ao longo da história tem
desempenhado, dinamizando ao nível local e nacional respostas e soluções no
domínio da protecção social representando em muitas circunstâncias o único “abrigo” de pessoas
e famílias de grande vulnerabilidade, tem que ser a alavanca para novas e
acrescidas responsabilidades e iniciativas. O número de associados deste
movimento, mais de 900.000, torna-o para além de uma força indesmentível
importância, um parceiro para o desenvolvimento com o qual é preciso contar
e, mais do que isso, que se torna indispensável ouvir e levar em linha de
conta. As Associações Mutualistas têm sabido complementar
e colmatar as falhar e limitações dos
sistemas públicos de protecção social e das respostas das entidades privadas
com fins lucrativos, encontrando-se empenhadas no desenvolvimento de respostas e soluções adequadas às necessidades dos cidadãos e das
famílias.
O
Movimento Mutualista assume-se hoje por toda a Europa como o novo caminho da protecção
social para este milénio e parceiro fundamental no processo de reforma dos sistemas
de segurança social e saúde. O Mutualismo, por constituir uma alternativa de
carácter social, que não depende do estado nem tem fins lucrativos, é uma
solução indispensável para garantir uma auto-protecção
social de segurança social, saúde e acção social eficaz, com custos mais baixos e cuja rentabilidade se distribui por todos os
associados. O Mutualismo é um movimento em que o funcionamento democrático
assume uma importância fulcral, na medida em que as decisões são tomadas pelos
próprios associados, em Assembleia Geral, permitindo aos indivíduos
participarem activamente e decidirem os contornos da sua protecção social.
Estima-se que em todo o Mundo envolvem cerca de 150 milhões de pessoas e desempenham um importante papel económico e social em vários países, nos domínios da protecção social e da prestação de cuidados de saúde.
No nosso País, apesar de sermos pouco conhecidas, as Mutualidades assumem a sua importância no domínio social e envolvem cerca de um milhão de associados, sendo sobretudo uma alternativa de auto-protecção social que não depende do Estado e que não apresenta fins lucrativos.
5 - Estatuto Jurídico
As Associações Mutualistas são Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) e de Utilidade Pública. Regem-se pelo Código Mutualista (Dec. Lei 72/90).
Estima-se que em todo o Mundo envolvem cerca de 150 milhões de pessoas e desempenham um importante papel económico e social em vários países, nos domínios da protecção social e da prestação de cuidados de saúde.
No nosso País, apesar de sermos pouco conhecidas, as Mutualidades assumem a sua importância no domínio social e envolvem cerca de um milhão de associados, sendo sobretudo uma alternativa de auto-protecção social que não depende do Estado e que não apresenta fins lucrativos.
5 - Estatuto Jurídico
As Associações Mutualistas são Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) e de Utilidade Pública. Regem-se pelo Código Mutualista (Dec. Lei 72/90).
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